A Casa Pia de Lisboa : Breve síntese histórica
Adérito Tavares
Professor na Universidade católica portuguesa (Lisboa)
Diogo Inácio de Pina Manique
1. As ideias que presidiram à fundação da Casa Pia
Diogo Inácio de Pina Manique, o fundador da Casa Pia, foi uma das mais activas e empreendedoras personagens da segunda metade do século XVIII português. Iniciou a sua actividade pública como Juíz do crime do Bairro do Castelo, em Lisboa ainda no reinado de D. José, tendo sido um executor zeloso e admirativo de muitas medidas do Marquês de Pombal. Em 1780, D. Maria I encarregou-o de chefiar a Intendência-Geral da Polícia, cujas atribuições eram extraordinariamente vastas, pois dela dependiam todos os magistrados judiciais do País.
D. Maria I
Quando perguntamos a alguém se sabe quem foi Pina Manique, a resposta mais frequente associa-o à repressão das ideais liberais no final do século XVIII, poucos sabem, no entanto, que a sua acção se estendeu a domínios tão variados como o fundamento industrial ou o repovoamento do Alentejo. E se alguns conhecem o facto de se lhe dever o primeiro sistema de iluminação de Lisboa, ou a fundação do Teatro de S. Carlos, já menos pessoas estão a par do seu pioneirismo nos processos de recuperação do delinquente através da ocupação profissional dos reclusos. Quase ninguém desconhece, no entanto que foi Pina Manique quem fundou a Casa Pia de Lisboa, em 1780.
Teatro de S. Carlos
A fundação da Casa Pia de Lisboa insere-se no filantropismo iluminista característico do século XVIII europeu. O século XVII tinha sido o do prodigioso arranque da Revolução Científica, um imparável movimento de ideias que resultou da acção de uma plêiade de mentes brilhantes como Descartes, Galileu, Francis Bacon, Harvey, Torricelli, Pascal, Issac Newton e muitos outros. As academias congregavam homens de ciência, difundiam o conhecimento, favoreciam o confronto de ideias, contribuiam para a mudança de mentalidade. Preparava-se, assim, a abertura de espírito indispensável para o abandono do escolasticismo aristotélico e do dogmatismo filosófico e pedagógico.
Todavia, quando falamos de movimentos culturais, devemos lembrar-nos que eles atingem uma minoria muito limitada da população, as escassas elites intelectuais. A grande massa continuava analfabeta e completamente alheada de renascimentos e humanismos, de revoluções científicas e de iluminismos. Cerca de 85% dos europeus eram camponeses. Nasciam, viviam e morriam dentro dos acanhados limites dos montes e vales da sua aldeia, com as florestas por horizonte, trabalhando de sol a sol, desde os 6 ou 7 anos até à morte. As taxas de analfabetismo situavam-se, ainda no século XVIII, à volta dos 90 a 95%, particularmente nos países do sul da Europa.
É neste panorama cultural que devemos inserir o movimento das luzes e o esforço desenvolvido pelos estrangeirados portugueses a favor da modernização do nosso País. Tal como Pombal, também Pina Manique foi sensível às propostas reformistas dos estrangeiros. Formado nos parâmetros da pedagogia oratoriana, Pina Manique acreditava nas virtualidades da instrução como forma de libertação do homem.
O ensino tradicional, de raíz aristotélica, avesso ao cartesianismo e ao nacionalismo, era aquele que predominava nos colégios jesuíticos, sobretudo no Colégio de Santo Antão, em Lisboa, ou no Colégio das Artes, em Coimbra. Paralelamente, desde o reinado de D. João V que a Companhia de Jesus se defrontava com a concorrência da congregação do Oratório de S. Filipe Néri. Os Oratorianos dispunham da protecção directa do rei Magnânimo que, para além de uma renda anual de 12.000 cruzados, lhes ofereceu um moderníssimo Gabinete de Física Experimental e uma biblioteca de 30 mil volumes. Foi-lhes assim possível instalar nas Necessidades um Colégio onde se praticava uma pedagogia arejada e inovadora, com destaque para a metodologia cartesiana e o ensino das Matemáticas e da Filosofia Natural (Física, Química, Astronomia, etc.). O declínio da Companhia de Jesus entre nós, porém, não se deveu tanto à emergência da Congregação do Oratório, mas sim, principalmente, à cerrada e demolidora crítica que lhe seria movida por um antigo aluno do Colégio de Santo Antão: Luis António Verney. Embora Pombal tenha dado mais ouvidos a Ribeiro Sanches que a Verney, o autor de o Verdadeiro Método de Estudar (1746) ainda pôde assistir ao desabamento do edifício jesuítico e ao lançamento das bases da modernidade pedagógica em Portugal.
É este o contexto em que se processa a formação intelectual de Pina Maniqu que frequentou o Colégio dos Oratorianos aí por meados do século XVIII. Não foi, certamente, por acaso que, em 1780, quando fundou a Casa Pia, Pina Manique entregou a organização pedagógica da Instituição a outro antigo aluno dos Oratorianos, José Anastácio da Cunha. As instituições, como as pessoas, são filhas do seu tempo. A Casa Pia de Lisboa foi, até certo ponto, filha da Congregação do oratório e do espírito de renovação pedagógica oratoriana. E foi igualmente, aconselhada uma política preventiva do crime, mais que repressiva. A Casa Pia não nasceu do fruto do acaso, de circunstâncias aleatórias. Não foi casual a sua fundação no próprio ano em que Pina Manique tomava posse do cargo de intendente-geral da Polícia. A criação da Casa Pia deve, portanto, inserir-se na renovação pedagógica e assistencial promovida pelo movimento reformista iniciado na época pombalina e prosseguido no reinado de D. Maria I, dentro do qual podemos igualmente incluir a fundação da Academia das Ciências, da Biblioteca Nacional e de muitas outras instituições. É o espírito da época, o mesmo espírito que leva à criação, em 1790, de 18 lugares de « mestras de meninas » em Lisboa, justificada com o argumento (novo) de que as meninas também « devem saber ler e escrever ».
Comecei hoje a ler a história, mas a partir de amanhã, so vou ler na proxima semana, mas vou ler com muito interesse
beijos
É desta que eu vou ficar a conhecer verdadeiramente as origens da tua formação, pelo menos « background » histórico não te falta. Abraço